“Foi a partir da deleção desse gerente do tráfico, que também era apontado como um dos açougueiros da facção, já que matava e esquartejava as vítimas, que chegaram uma série de elementos que relatavam a execução pela mão dele ou de comparsas dele de aproximadamente uma centena de pessoas”, garante o procurador-geral de Justiça do RS, Fabiano Dallazen.
“A delação nos traz uma credibilidade porque, a partir dos elementos trazidos nessa delação, nessa colaboração, todos eles muito específicos, com datas, nomes, fotos, locais, se conseguiu desvendar várias mortes de pessoas que constavam simplesmente como desaparecidas”, acrescenta.
Somente no ano de 2016, foram encontrados 16 corpos decapitados pelas ruas da Capital, e diversas outras pessoas simplesmente desapareceram. Esses casos fazem parte da investigação.
Localização dos corpos é difícil
O local com partes de mata fechada, outros trechos de campo aberto e muitas trilhas formam um grande labirinto, o que, segundo as autoridades, dificulta os trabalhos de localização e retirada de corpos.
O perito do Instituto Geral de Perícias Alex Rozenquanz Schutz esteve no cemitério clandestino três vezes no primeiro semestre de 2017. Acompanhou a retirada de três corpos, inclusive no dia que a testemunha, que está no programa de proteção da polícia, foi ao local com forte esquema de segurança.
“É muito difícil encontrar. A área é muito grande. A testemunha, às vezes, se confundia muito. Então, a gente vai la com uma máquina, a máquina leva tempo para chegar, ela escava e não encontra nada. Daí, tem que ir para outro ponto, tem que escavar no entorno. Escava, escava e não encontra nada. Se não há uma indicação correta de onde estão enterrados, é muito difícil. Até com os cães, o que se acha são corpos mais recentes. Não há como desmatar, colocar aparelhos, são apenas anexos da indicação da testemunha”, explica o perito.
Apesar da certeza das autoridades, menos de uma dezena de vítimas foi encontrada.
Em uma casa de classe média, na Zona Norte de Porto Alegre, uma mulher recebeu a equipe de reportagem da RBS TV. Ela é mãe de uma menina que desapareceu há quase três anos, quando tinha 12 anos. Segundo a investigação da polícia, com base nos relatos do delator, ela foi morta com golpes de machado em uma rua da Vila Mário Quintana, por volta das 15h do 24 de setembro de 2016.
O motivo seria a amizade dela com meninas que moravam na vila e que tinham relação com outros jovens de uma vila rival. Os criminosos que mataram a jovem achavam que elas passavam informações sobre a facção.
O corpo da adolescente é mais um, que segundo os relatos do delator, está no cemitério clandestino aos pés do Morro Santana.
“Essa é minha tristeza. Ela não pode ser sepultada, não pode ser enterrada, assim como um ser humano merece. Eu não pude velar minha filha, eu não pude fazer nada com minha filha. Não pude pelo menos simbolizar. Fazer uma despedida para ela. Isso me dói demais. É injusto, é desumano saber que existem pessoas que não podem ser enterradas, que estão desaparecidas e que estão lá naquele lugar jogadas como bichos”, desabafa a mãe, que não é identificada por questões de segurança.
“Esse cemitério existe e as autoridades sabem que existe. Esse cemitério está lá, e lá é um depósito de pessoas. Isso não pode continuar em Porto Alegre.”
Entre os corpos, estaria também o de um policial militar, que está desaparecido.
“Esse policial militar teria sido morto pelo grupo criminoso e enterrado numa parte no outro lado, que não seria essa região. Nós escavamos lá. A máquina não entrava, mas escavamos no local que foi apontado. Como relatado anteriormente, é difícil precisar exatamente o local da cova”, conta a delegada Luciana Smith, que não informou o nome do PM.
O delator confessou que também participou desse crime contra a menina. Ele e mais 12 criminosos foram denunciados pelo Ministério Público e aguardam julgamento.
Entre os denunciados está José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, apontado como líder da facção e que segue em um presídio federal em Campo Grande (MS). Segundo o delator, era Minhoca que ordenava as mortes.
Na última semana, a reportagem, juntamente com dois delegados e agentes do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) e das volantes da Polícia Civil, esteve no cemitério da facção.
Enquanto a equipe gravava depoimentos no local, ao caminhar em uma trilha, foi surpreendida. Junto à terra remexida, provavelmente por algum animal, havia peças de roupas e um forte odor.
“Tudo indica que seja mais um corpo desovado. A região parece que segue usada. Vamos aguardar os bombeiros e a perícia”, explicava o delegado Gabriel Bicca, que também participou das investigações e acompanhou a reportagem na caminhada no Morro.
Depois, a suspeita se confirmou.
O corpo encontrado no local foi identificado no mesmo dia. Morador de Sapucaia do Sul, Juliano Flores Soares, de 35 anos, estava desaparecido há um mês, segundo registro dos familiares. Ele cumpria pena no regime aberto e tinha diversos antecedentes criminais, entre eles homicídio. O corpo estava esquartejado e com as mãos amarradas.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) diz que acompanha os desdobramentos da apuração por meio de suas vinculadas, nesse caso, a Polícia Civil e o IGP, e aguarda as conclusões da investigação.
“Precisamos aprimorar mais as investigações para um completo esclarecimento dessas circunstâncias, para punir os responsáveis e, ao mesmo tempo, dar uma resposta aos familiares sobre o destino, infelizmente trágico, cruel do membro daquela família”, finaliza o promotor Dallazen.
Fonte: G1