Sucessão de escândalos vai tornar ainda mais difícil a briga pelo voto mais exigente dos 144 milhões de eleitores que irão às urnas em outubro
Poucas vezes os brasileiros inauguraram período eleitoral em ambiente tão refratário à política como em 2016. A descrença geral provocada pela sucessão de escândalos e prisões atingiu todos os matizes partidários e torna ainda mais desafiadora a briga pelo voto dos 144 milhões de eleitores que irão às urnas em outubro. Dentro de 10 dias, quando a campanha começar oficialmente, os candidatos a prefeito e vereador irão lidar com eleitores mais exigentes, mais conectados e principalmente mais desconfiados sobre as reais intenções de quem postula um cargo público.
Segundo o historiador e cientista político Boris Fausto, esse cenário irá obrigar os políticos a tomar o caminho inverso do percorrido em eleições anteriores. Se na disputa municipal de 2012 o foco das discussões estava concentrado no plano nacional, com candidatos buscando alinhar propostas à conveniência momentânea de ser aliado ou opositor do governo federal, desta vez só deverá ter êxito quem apresentar soluções aos problemas vivenciados no dia a dia de cada cidade. Os assuntos locais vão dominar como nunca. Será a única forma de atrair um eleitor cansado com todos esses casos de corrupção escancarados pela Lava-Jato. Quem tentar nacionalizar, pode ficar falando sozinho. Se fosse marqueteiro, aconselharia meu candidato a ser sincero a respeito dos problemas locais — comenta Fausto.
Outros fatores que favorecem o debate em torno das deficiências de cada município são o prazo exíguo da campanha — este ano restrita a 45 dias — e a escassez de recursos provocada pela proibição de doações empresariais. Com menos tempo e dinheiro, as máquinas de propaganda terão de se concentrar no currículo dos candidatos e nas propostas sintonizadas à realidade da população. Com a experiência de quem coordenou o marketing de três campanhas vitoriosas nos últimos anos — José Fortunati (Porto Alegre) e Jairo Jorge (Canoas), em 2012, e José Ivo Sartori (governo do Estado), em 2014 —, o jornalista Marcos Martinelli afirma que os eleitores estão mais conscientes e já não acreditam em soluções milagrosas.
— Será uma campanha mais simples, mais verdadeira e mais igual. Isso vai obrigar os candidatos a apresentar melhor os seus conceitos, a mensagem terá De ser crível — resume Martinelli.
Dicotomia ideológica contamina apoio de líderes nacionais
Para seduzir os eleitores, os grandes partidos nacionais buscam nova essência ideológica. Contudo, a reconstrução da própria identidade leva tempo, e eventuais mudanças programáticas não surtirão efeitos na eleição deste ano, muito em razão da atmosfera de radicalização que contaminou o debate político. Exacerbado nas manifestações de rua e nas redes sociais, fruto da discussão do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, o antagonismo raivoso envolve simpatizantes dos principais partidos, simbolizado na dicotomia "nós" e "eles".
Ao mesmo tempo em que estimularam a antipatia recíproca, os políticos de maior relevo viram crescer seus índices de rejeição popular, o que faz deles cabos eleitorais já não tão eficazes como em outras eleições. Uma pesquisa feita pelo instituto Datatempo em Minas Gerais mostra que o apoio do senador Aécio Neves (PSDB) a uma candidatura diminui em 28,3% a vontade dos mineiros de votar nesse apadrinhado. Em relação ao suporte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esse índice praticamente dobra: 54,3%.
— As pessoas se sentem mais protagonistas. Ninguém quer ser índio para seguir o cacique. Isso também decorre da absoluta falta de identidade dos partidos. Nenhum político aproveitou a crise para se reciclar, e hoje ninguém tem proposta clara para o Brasil, para os Estados e para os municípios — avalia Martinelli.
Para a cientista política Lucia Hippolito, a reinvenção é necessária, mas improvável a curto prazo. Lucia sustenta que as legendas têm outras prioridades, algumas inconfessáveis.
— A população está muito irritada, e com razão, com toda essa roubalheira. E cada partido tem seus próprios problemas éticos para resolver.