Até mesmo quem procura emprego tem sido alvo de golpes praticados por falsos recrutadores. Diariamente, mais de 40 pessoas são vítimas de estelionato no Rio Grande do Sul. Lucas Rodrigues, morador de Esteio, na Região Metropolitana, que trabalha há oito anos com o transporte de cargas, foi uma vítima recente.
Há dois meses, ao procurar emprego, Lucas resolveu colocar um anúncio em uma plataforma popular de classificados oferecendo seu serviço. Logo apareceu um empregador com uma oportunidade bem nos moldes do que ele procurava. Mas a boa notícia logo virou sua vida de cabeça para baixo quando descobriu, dias depois, que seu nome e seus documentos tinham sido usados para o desvio de, ao menos, duas cargas de grãos nas cidades de Mata, no Vale do Rio Pardo, e em Pelotas, no Sul do estado.
“Eu estava distribuindo currículos e coloquei meus contatos na OLX para ver se aparecia alguma coisa. Foi quando ele (o fraudador) entrou em contato comigo. Ele me contou que tinha um caminhão e que transportava bebida para a Ambev para fazer uma rota entre Águas Claras e Eldorado do Sul. Ele disse que era para tirar as férias do motorista dele, até porque eu não queria nada fechado no momento. Encaminhei os documentos para dar entrada no pedido junto à seguradora”, conta Lucas.
Cerca de uma semana depois, ele recebeu uma ligação de uma empresa de Pelotas indagando sobre uma carga de arroz que deveria ter sido levada a São Paulo. "Daí que eu percebi que tinha sido uma fraude", relata. O grão, na verdade, foi carregado por um homem que se apresentou como Lucas e a carga foi desviada do destino.
Lucas guardou o registro da conversa por aplicativo de celular com o homem, que se identificou como Celino [Lucas o cadastrou como Acelino no aplicativo de celular]. Foi ele que tomou seus dados para dar entrada na papelada antes de o trabalho começar.
Na conversa, o golpista fala sobre o trabalho, com conhecimento da rotina de quem trabalha com frete, o que dificulta a desconfiança, mas insiste na necessidade do envio rápido dos documentos e comprovantes para suposta integração junto à empresa para a qual prestaria serviço.
Dois dias depois, Acelino entra em contato novamente e pede referências de trabalhos anteriores e de pessoas conhecidas em um processo bem semelhante ao de obtenção de crédito.
O último contato do golpista com Lucas ocorreu no dia 27 de maio, seis dias após a primeira conversa, em um diálogo no qual ele pede que seja enviado novamente o comprovante de residência. No dia 1º de junho, o homem que oferecia falsa oportunidade deixa de responder.
Para polícia, esquema é bem organizado
Conforme os investigadores, o roubo dos dados de Lucas fizeram parte de um esquema muito bem organizado para o roubo de cargas. Os dados foram inseridos pelos fraudadores em um sistema de frete usado pelas transportadoras.
Com os documentos já falsificados, um dos integrantes do grupo retirou ao menos duas cargas em nome de Lucas. De acordo com a polícia, os criminosos buscam cargas transportadas para localidades mais distantes, o que faz com que o roubo só seja descoberto dias depois.
Entretanto, a abordagem usada com Lucas caracteriza um novo tipo de golpe, conforme explica o delegado João Carlos Brum, no qual os criminosos se aproveitam de um momento de dificuldade da vítima, em busca de trabalho, para praticar o crime. “A carga certamente já tinha um receptador”, afirma.
Lucas também é investigado, mas o delegado já o considera como vítima do golpe, uma vez que ele apresentou toda a conversa que teve com o fraudador por meio do Whatsapp. “Temos que descobrir quem é essa pessoa que está se passando pelo dono dos documentos e que veículo é esse”, disse Brum.
No entanto, como o caso envolveu quatro cidades diferentes, quase um mês após a carga ter sido roubada, diferentes delegacias ainda discutiam qual distrito seria responsável pelas investigações. O delegado de Mata, João Carlos Brum, afirmou que já tinha dado início às investigações, com o pedido de quebra de sigilo telefônico e ajuda junto ao setor de inteligência da polícia.
A empresa de Pelotas que teve a carga roubada contratou o motorista por meio de uma transportadora de Santa Cruz do Sul, de propriedade de Paulo Gaffen. Em conversa com o G1, ele afirmou que a contratação foi feita por meio de um site de classificados para serviços de frete, e que não percebeu irregularidades nas checagens, nem nas consultas do histórico do motorista junto a seguradoras. Ele alega que teve prejuízo de R$ 60 mil por uma das cargas roubadas porque seu seguro não cobria este tipo de sinistro.
“A nossa avaliação do motorista estava ok, pelo que a gente viu junto à seguradora estava ok, mas era tudo falsificado”, afirma. “Trabalho com transporte há mais de 20 anos e nunca tinha sido vítima de golpe, a gente ouve por ai, mas nunca acha que vai acontecer com a gente”, conta.
Ele afirma ainda que, em ambos os casos, a carga roubada era de arroz ainda em estado natural, que só poderia ser vendida após processamento industrial. Por conta disso, assim como a polícia, ele acredita que produto roubado tinha destino certo. “Contratei agora uma empresa de gestão de risco e suspendi a contratação de qualquer motorista que a gente já não conheça”, lamentou.
Enquanto isso, Lucas espera um desfecho, e se mostra preocupado com o futuro, uma vez que o desaparecimento de uma carga em seu nome pode impedir que ele consiga trabalho, principalmente a curto prazo. “Talvez tenha que recorrer à Justiça para conseguir resolver”, lamenta.
Posicionamento das empresas citadas na conversa
Por meio de nota, a Ambev informou que utiliza uma plataforma própria para a seleção de novos funcionários. "Em nenhuma hipótese o processo é feito através de outras plataformas de anúncios online, como a OLX. A Ambev lamenta o ocorrido e está disponível para contribuir nas investigações. A Ambev tomará as medidas cabíveis pelo uso indevido do nome da marca", diz o texto.
A OLX comunicou que coloca-se à disposição das autoridades para colaborar no que for necessário, e informou que disponibiliza um botão de denúncia em todos os anúncios do site. "A OLX recomenda que quando os usuários verificarem a existência de anúncios que apontem para práticas irregulares ou conteúdos indevidos, denunciem o conteúdo no próprio site ou entrem imediatamente em contato com a equipe de atendimento ao cliente da empresa, para que sejam tomadas as medidas necessárias", diz o texto.